2003

Crítica : Auto-retrato em Progresso

2003

Auto-retrato em Progresso

O projeto de Camille Kachani é não apenas interessante, mas de fato bem atual e sintonizado com a discussão sobre retrato e auto-retrato que está sendo travada em todo lugar. Ao longo do séc. XX a idéia de retrato e de auto-retrato foi ganhando uma dimensão inusitada até abarcar todas as dimensões do corpo visíveis e invisíveis. No caso, o escrutínio ao qual o artista sujeita seus dejetos confere à obra uma dupla temporalidade: de um lado, congela um momento, como acontece na tomada fotográfica; de outro, sujeita esse momento ao confronto com o passado e com o futuro, gerando um fluxo temporal que se inscreve na duração. O que ele propõe, portanto, é uma observação de sua corporeidade biológica, pois ela é o suporte da dimensão intelectual que, como sabemos hoje em dia, está em estreita relação com o corpo físico e com seus mecanismos químicos.

O que o espectador irá apreender de seu auto-retrato é uma imagem opaca por não deixar transparecer nada que se situe além do físico; anônima, apesar de um código genético singular; coletiva, pois remete a uma condição partilhada por todo ser humano; anti-subjetiva, embora enraizada no que há de mais subjetivo na pessoa.

Desse modo, ele propõe uma espécie de paradoxo por lidar a um só tempo com a dimensão objetiva, científica (a instalação remete, sem dúvida, a um laboratório de análises) e com uma dimensão subjetiva e intransferível (mantendo a idéia de laboratório, sabemos bem o que acontece quando frascos de coleta são trocados).

O projeto coloca interrogações acerca da subjetividade e da singularidade do indivíduo num universo em que tais conceitos estão continuamente sob ameaça.

Annateresa Fabris
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